E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques

Em 1944 o muito jovem Jack Kerouac e o não tão jovem William S. Burroughs se viram arrolados como testemunhas de um assassinato. Dois de seus amigos haviam se desentendido por razões passionais, e um deles, Lucien Carr, esfaqueou o outro, David Kammerer — que supostamente tentava seduzir Carr à força —, e depois jogou o corpo no rio Hudson. Após o crime, Lucien buscou a ajuda dos dois escritores, e Burroughs o aconselhou a se entregar a polícia.

Meses depois, Kerouac (que chegou a ser preso por causa do episódio) e Burroughs — ambos então ainda inéditos — se empenharam na tarefa de escrever em parceria o que deveria ser uma espécie de romance policial baseado no episódio, ao qual deram o título bizarro de E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques, inspirado na notícia de um incêndio ocorrido em um zoológico ou em um circo, a depender da versão que um e outro deram da história. Cada qual escreveu um capítulo do livro, alternadamente, até a conclusão deste surpreendente relato ficcional do verão em que ocorreu o crime, com Burroughs encarnando o barman Will Dennison e Jack assumindo o personagem de Mike Ryko, um marinheiro mercante finlandês.

A partir desse material personalíssimo, ambos pintaram um painel agitado do mundo em que se moviam, habitado por bêbados e drogados, prostitutas, marinheiros desempregados, gays e almas sem eira nem beira. Inédito até agora, E os hipopótamos... relata as andanças de jovens fervendo no ócio e na perplexidade diante de um mundo de pernas pro ar — a Segunda Guerra Mundial estava no auge —, e serve de campo experimental para a escrita renovadora desses dois grandes artistas da palavra moderna.